Imagem da disciplina Teoria do Estado
2º semestre

Esta unidade curricular oferece os intrumentos teóricos, históricos e analíticos necessários para compreender a natureza, a evolução e os desafios do Estado enquanto forma de organização política. Este conjunto de objectivos fundamentais molda os principais Temas desenvolvidos ao longo do Programa.

Primeiro, uma componente propriamente teórica, situada no contexto disciplinar da ciência política, sem esquecer as raízes nos pensamento e teoria política. Pretende-se, nomeadamente, compreender a forma como o Estado se foi estruturando como conceito e problema de investigação, inicialmente no âmbito das nascentes ciências sociais e humanas, por xemplo no trabalho de Pais Fundadores como Karl Marx, Emile Durkheim ou Max Weber, desembocando depois, agora já no âmbito disciplinar próprio da ciência política, nos principais autores e correntes teóricas contemporâneas, como sejam o «velho institucionalismo», o funcionalismo/pluralismo, o «novo institucionalismo» neo-marxista e neo-weberiano ou a teoria da escolha racional.

O segundo Tema respeita à formação do Estado em perspectiva histórica e comparada. Aqui, pretende-se compreender e explicar a evolução das formas históricas do Estado, seja numa perspectiva modal, seja numa perspectiva atenta à variação geográfica e histórica. O surgimento no espaço europeu, desde final da Idade Média, do Estado moderno, depois do Estado-nação, e depois ainda do Estado-Providência, permite explorar os mais importantes padrões de semelhança e diferença, no espaço e no tempo, agrupando a variação histórica em categorias ou processos nodais como sejam a intensidade e timing do ciclo de conflito militar/extracção fiscal, centralização e estadualização, regimes políticos absolutistas ou constitucionais, ou tipos de administração patrimonial ou burocrática moderna. Contudo, a atenção usualmente dispensada ao espaço europeu/ocidental como palco histórico da formação do Estado é aqui deliberadamente complementada com a atenção aos processos históricos de construção do estado na América Latina e na Ásia Clássica. Investigando, em particular, as consequências de uma menor intensidade relativa no conflito geopolítico, no caso latino americano, em contraste com as de uma maior intensidade relativa, no caso da China clássica.

Na sequência das duas componentes teórica e genética, explora-se um conjunto de tópicos em torno da natureza, funções e principais articulações do Estado desde o Liberalismo oitocentista, incluindo os desafios do presente, sempre explorados de forma histórica e comparada.

Tendo em mente que Estado e indivíduo, centro e periferias, Estado e mercado devem ser concebidos historicamente em termos de implicação mútua, o terceiro Tema explora a forma como Estado e cidadania se constituiram reciprocamente, através de direitos de cidadania, em geral garantidos em constituições e na prática através de instituições e políticas públicas. Na esteira dos contributos seminais de T.H. Marshall ou Reinhard Bendix, são analisados direitos civis (como o de associação), políticos (como o do sufrágio), económicos (como o da greve) e sociais (como o direito à protecção social).

O Tema seguinte estuda as diversas modalidades, no espaço e no tempo, como o Estado e os poderes públicos constituídos regularam a economia e o mercado desde a transição no século XIX para uma ordem política e económica Liberal, focando em particular a intervenção do Estado no desenvolvimento económico nos casos dos países com um capitalismo assistido tardio.

Dando sequência histórica e lógica aos Temas anteriores, estuda-se em seguida o Tema do Estado-Providência, dos regimes de bem-estar e protecção social, numa perspectiva histórica e comparada. Primeiro, considerando as suas raizes históricas na evolução das políticas de protecção social desde o último terço do século XIX até ao imediato após-Primeira Guerra Mundial, explorando a transição entre formas Liberais de assistência assente em formas associativas ou mutualidades para o seguro social tendencialmente universal e obrigatório, pioneiramente na Alemanha de Bismarck e na Austria-Hungria de Von Taffe. Analisa-se o timing relativo da adopção dos seguros sociais de doença, velhice, acidentes de trabalho e desemprego no espaço europeu, focando a atenção na forma do Estado, no tipo de regime, na intensidade da mobilização operária, em suma, nos padrões de competição política na era da incorporação das massas na esfera da soberania.

Segundo, procura-se compreender como nas décadas de crescimento económico contínuo e pleno emprego (masculino) posteriores à II Guerra Mundial emergiu o Estado-Providência dando corpo a um «compromisso histórico» entre capital e trabalho. Eeste processo resultou em diferentes cristalizações institucionais, designadas regimes de welfare, nomeadamente o liberal ou anglo-saxónico, o nórdico ou social-democrata, o continental/corporativo ou democrata-cristão e ainda, embora de forma mais debatível, o regime de protecção da Europa do Sul. Os casos que integram cada tipo de regime de welfare partilham características históricas e trajectórias e desenvolvimento político, quer dizer, eles partilham regimes de policy porque partilham padrões de politics. Em cada regime, o tipo de Estado-Providência espelha a «luta de classes democrática» resultante da mobilização política, associativa e económica em torno de conflitos distributivos no contexto de capitalismos democráticos.

Por fim, procuramos estudar o conjunto de desafios enfrentados pelos Estado-Providência desde a crise económica dos anos 1970 – a a era da «auteridade permanente» após a «Era Dourada» do após II Guerra Mundial. Desafios como a globalização, a deslocalização industrial, o envelhecimento, crescimento anémico, desemprego prolongado, tensões entre velhos riscos industriais e novos riscos que carecem de protecção, novos papéis de género com a feminização do mercado de trabalho e as novas configurações da família, entre outros, levaram a diferentes respostas políticas e instituicionais nos vários países. Dentro de um quadro orçamental que procura o equilibrio procedendo a cortes nas despesas e/ou aumento de impostos, as políticas sociais e o Estado-Providência responderam com reformas de tipo e alcance variado, desde o recuo com desmantelamento favorecendo o mercado, à recalibração com re-ordenação de objectivos e prioridades, a formas de modernização da protecção ao encontro de novos riscos sociais.

O sexto e derradeiro Tema analisado emerge no mesmo período histórico, e lida com as relações entre a política democrática, economia de mercado e protecção social no contexto de crescente desigualdade, com um particular enfoque na Europa do Sul. O período desde os anos ’80 caracteriza-se por um conjunto de mudanças profundas na regulação económica, do mercado e da protecção social que podemos designar por «neo-liberalismo», as quais no seu conjunto, ainda que de forma variada, provocaram um aumento global das desigualdades. A última secção explora o papel do Estado na gestão das tensões existentes entre desigualdades materiais, de status e categoriais e a democracia concebida enquanto igualdade política. O capitalismo de mercado cria inevitavelmente desigualdades que limitam o potencial da democracia poliárquica ao gerar desigualdades na sua distribuição dos recursos políticos, permitindo a alguns ter uma influência maior do que outros sobre as politicas, as decisões e o governo.  A crescente desigualdade desde os anos 80 desfavorece as condições para a capacitação dos grupos sociais médios e populares. Os processos de privatização, reforma ou recuo do Estado-Providência, o desemprego, a insegurança material e económica resultante da desindustrialização e desregulação do mercado laboral contribuíram para a perda de recursos materiais e organizacionais essenciais para a acção colectiva, expresso por exemplo no declínio dos sindicatos e de outras organizações de massas. Porque a existência de desigualdades materiais, categoriais e de estatuto inibe o exercício concreto de direitos e liberdades formais, quanto mais igualitária for a distribuição de recursos materiais, de educação e saúde pelos grupos sociais e cidadãos maior será a igualdade política, ou seja, a qualidade democrática substantiva. A ser assim, a chave está na medida em que os processos políticos reduzem a tradução das desigualdades existentes para as políticas públicas. É justamente com a  investigação histórica e comparada desta hipótese que se conclui a unidade curricular.